31/07/2019
Onerar mais não é o caminho
Recém-aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a reforma tributária objeto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 conta com respeitáveis apoios. Nada mais natural, pois a complexidade do sistema tributário causa efeitos perversos sobre a economia, muito incômodos em tempos de retração. Entretanto, se a necessidade de mudanças é inequívoca, a aprovação desse projeto deve passar pela seguinte questão: as alterações propostas são boas para o Brasil?
O foco da PEC 45/2019 é a tributação sobre o consumo. Tenta-se criar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao ICMS, IPI, ISS e PIS/Cofins. Ele seria instituído e disciplinado por lei complementar da União. Estados e municípios poderiam apenas alterar suas alíquotas, porém com severas restrições. Realmente, os porcentuais deveriam ser os mesmos para todos os bens e serviços, respeitando-se os mínimos fixados pelo Senado para cobrir gastos com saúde e educação. Seria proibida a redução do tributo em função da essencialidade do item (cesta básica, por exemplo) ou de políticas de desenvolvimento local. Além disso, o IBS seria regulamentado, arrecadado e fiscalizado por comitê gestor vinculado à União.
Esse caráter centralizador é uma evidência inequívoca da inconstitucionalidade do projeto. De fato, segundo dados do Tesouro Nacional citados no voto do relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, 43% da atual arrecadação dos municípios e 88% das receitas tributárias dos Estados passariam a ser controlados pelo poder central. Tal remanejamento de competências e receitas tributárias não se afina com o pacto federativo. Afinal, tende a enfraquecer a autonomia financeira dos entes descentralizados, com efeitos deletérios sobre a realização de suas atribuições constitucionais, na medida em que eles não estariam autorizados a instituir e arrecadar o IBS, promover a variação de alíquotas em função do setor, do produto ou das circunstâncias econômico-sociais de cada momento.
Insista-se que dentre as cláusulas integrantes do pacto federativo em vigor está a autonomia dos entes descentralizados, o que supõe repartição de competências e receitas de tributos. Tais divisões são pilares da autonomia dos entes políticos (STF, RE 591.033, ministra Ellen Gracie), porque consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito (STF, ADI 4228, ministro Alexandre de Moraes) e permitem que Estados e municípios realizem suas incumbências constitucionais. Logo, não pode emenda constitucional suspendê-la(s) ou afastá-la(s), porque, se o fizer, ofenderá o pacto federativo, enfraquecendo-o, pelo que é tendente a aboli-lo (STF, ADI-MC 926-5, voto do ministro Carlos Velloso, tribunal pleno, DJ 6/5/94).
Esse vício é grave e merece ser discutido com profundidade nas instâncias próprias, mas a proposta examinada levanta questões para além do âmbito jurídico.
A primeira perplexidade é que a PEC 45/2019 implicará aumento de impostos. De fato, o IBS seria uniforme para todos os bens e serviços e englobaria o ICMS, IPI, ISS e PIS/Cofins. Assim, quase todos os setores sofreriam alguma elevação tributária. Produtos agrícolas que atualmente não se sujeitam ao IPI passariam a absorvê-lo parcialmente. Serviços tradicionais, como advocacia, contabilidade, etc., hoje submetidos ao ISS com alíquota média de 4,38%, teriam sua tributação acrescida de porcentuais equivalentes ao IPI e ao ICMS. Se o IBS tiver alíquota de 25%, como se noticia, estima-se que haveria majoração de mais de 300% para serviços prestados por pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido. Para os autônomos o impacto seria ainda maior, podendo chegar a quase 700%, pois seria adicionado não só o equivalente ao IPI e ao ICMS, mas também ao PIS/Cofins, que hoje não alcança tais pessoas físicas.
Mas não é só.
A PEC 45/2019 também tenta criar um Imposto Seletivo para desestimular o consumo de bens e serviços que gerem externalidades negativas. Todavia não há quaisquer limites a serem observados pela figura, nem critérios que definam os produtos e setores atingidos. Essa carta branca pode resultar na instituição de um imposto de amplo espectro, incidente em duplicidade sobre os mesmos itens objeto do IBS. Nesse sentido, por exemplo, veículos movidos a combustíveis fósseis poderiam ser alvo desse tributo, pois são poluidores e podem ser substituídos por carros a álcool ou elétricos. Em suma, a pretexto de suposta extrafiscalidade, o Imposto Seletivo poderia incidir sobre vasta gama de itens.
Outro problema é a complexidade. Ambiciona-se revogar 19 dispositivos e introduzir 141 outros na Constituição. Com isso, quase 40 novos conceitos seriam criados. Nos primeiros dois anos, o sistema seria adaptado na base de tentativa e erro. Durante a primeira década, o País conviveria com dois modelos paralelos, o novo e o atual. Os contribuintes prestariam contas aos três níveis de fiscalização existentes e àquele a ser criado para tratar do IBS. Passada a transição inicial, nada garante que o sistema seguiria sem alterações. Por isso, o próprio prazo de 50 anos para Estados e municípios serem reparados pelas perdas resultantes do novo tributo é duvidoso. Afinal, há mais de 15 anos os Estados lutam para que a União compense os prejuízos oriundos da eliminação do ICMS-Exportação, promovida pela Emenda Constitucional (EC) 42/2003. De resto, admitida a suposta neutralidade arrecadatória do modelo, em termos agregados, as perdas haveriam de ser compensadas com mais carga tributária.
Em suma, o País necessita de reforma tributária que não implique aumento de impostos e garanta segurança, transparência, simplificação e neutralidade. Tais imperativos não são satisfeitos pela PEC 45/2019.
* Everardo Maciel, Hamilton D. de Souza, Humberto Ávila, Ives Gandra Martins, Kiyoshi Harada e Roque A. Carrazza,
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS NA ÁREA DE DIREITO TRIBUTÁRIO
O foco da PEC 45/2019 é a tributação sobre o consumo. Tenta-se criar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao ICMS, IPI, ISS e PIS/Cofins. Ele seria instituído e disciplinado por lei complementar da União. Estados e municípios poderiam apenas alterar suas alíquotas, porém com severas restrições. Realmente, os porcentuais deveriam ser os mesmos para todos os bens e serviços, respeitando-se os mínimos fixados pelo Senado para cobrir gastos com saúde e educação. Seria proibida a redução do tributo em função da essencialidade do item (cesta básica, por exemplo) ou de políticas de desenvolvimento local. Além disso, o IBS seria regulamentado, arrecadado e fiscalizado por comitê gestor vinculado à União.
Esse caráter centralizador é uma evidência inequívoca da inconstitucionalidade do projeto. De fato, segundo dados do Tesouro Nacional citados no voto do relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, 43% da atual arrecadação dos municípios e 88% das receitas tributárias dos Estados passariam a ser controlados pelo poder central. Tal remanejamento de competências e receitas tributárias não se afina com o pacto federativo. Afinal, tende a enfraquecer a autonomia financeira dos entes descentralizados, com efeitos deletérios sobre a realização de suas atribuições constitucionais, na medida em que eles não estariam autorizados a instituir e arrecadar o IBS, promover a variação de alíquotas em função do setor, do produto ou das circunstâncias econômico-sociais de cada momento.
Insista-se que dentre as cláusulas integrantes do pacto federativo em vigor está a autonomia dos entes descentralizados, o que supõe repartição de competências e receitas de tributos. Tais divisões são pilares da autonomia dos entes políticos (STF, RE 591.033, ministra Ellen Gracie), porque consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito (STF, ADI 4228, ministro Alexandre de Moraes) e permitem que Estados e municípios realizem suas incumbências constitucionais. Logo, não pode emenda constitucional suspendê-la(s) ou afastá-la(s), porque, se o fizer, ofenderá o pacto federativo, enfraquecendo-o, pelo que é tendente a aboli-lo (STF, ADI-MC 926-5, voto do ministro Carlos Velloso, tribunal pleno, DJ 6/5/94).
Esse vício é grave e merece ser discutido com profundidade nas instâncias próprias, mas a proposta examinada levanta questões para além do âmbito jurídico.
A primeira perplexidade é que a PEC 45/2019 implicará aumento de impostos. De fato, o IBS seria uniforme para todos os bens e serviços e englobaria o ICMS, IPI, ISS e PIS/Cofins. Assim, quase todos os setores sofreriam alguma elevação tributária. Produtos agrícolas que atualmente não se sujeitam ao IPI passariam a absorvê-lo parcialmente. Serviços tradicionais, como advocacia, contabilidade, etc., hoje submetidos ao ISS com alíquota média de 4,38%, teriam sua tributação acrescida de porcentuais equivalentes ao IPI e ao ICMS. Se o IBS tiver alíquota de 25%, como se noticia, estima-se que haveria majoração de mais de 300% para serviços prestados por pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido. Para os autônomos o impacto seria ainda maior, podendo chegar a quase 700%, pois seria adicionado não só o equivalente ao IPI e ao ICMS, mas também ao PIS/Cofins, que hoje não alcança tais pessoas físicas.
Mas não é só.
A PEC 45/2019 também tenta criar um Imposto Seletivo para desestimular o consumo de bens e serviços que gerem externalidades negativas. Todavia não há quaisquer limites a serem observados pela figura, nem critérios que definam os produtos e setores atingidos. Essa carta branca pode resultar na instituição de um imposto de amplo espectro, incidente em duplicidade sobre os mesmos itens objeto do IBS. Nesse sentido, por exemplo, veículos movidos a combustíveis fósseis poderiam ser alvo desse tributo, pois são poluidores e podem ser substituídos por carros a álcool ou elétricos. Em suma, a pretexto de suposta extrafiscalidade, o Imposto Seletivo poderia incidir sobre vasta gama de itens.
Outro problema é a complexidade. Ambiciona-se revogar 19 dispositivos e introduzir 141 outros na Constituição. Com isso, quase 40 novos conceitos seriam criados. Nos primeiros dois anos, o sistema seria adaptado na base de tentativa e erro. Durante a primeira década, o País conviveria com dois modelos paralelos, o novo e o atual. Os contribuintes prestariam contas aos três níveis de fiscalização existentes e àquele a ser criado para tratar do IBS. Passada a transição inicial, nada garante que o sistema seguiria sem alterações. Por isso, o próprio prazo de 50 anos para Estados e municípios serem reparados pelas perdas resultantes do novo tributo é duvidoso. Afinal, há mais de 15 anos os Estados lutam para que a União compense os prejuízos oriundos da eliminação do ICMS-Exportação, promovida pela Emenda Constitucional (EC) 42/2003. De resto, admitida a suposta neutralidade arrecadatória do modelo, em termos agregados, as perdas haveriam de ser compensadas com mais carga tributária.
Em suma, o País necessita de reforma tributária que não implique aumento de impostos e garanta segurança, transparência, simplificação e neutralidade. Tais imperativos não são satisfeitos pela PEC 45/2019.
* Everardo Maciel, Hamilton D. de Souza, Humberto Ávila, Ives Gandra Martins, Kiyoshi Harada e Roque A. Carrazza,
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS NA ÁREA DE DIREITO TRIBUTÁRIO
Fonte:
O Estado de S.Paulo
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