15/01/2021
Empresas são multadas pela Receita mesmo cumprindo prazos de tributos
Por Laura Ignacio De São Paulo
Empresas vêm recebendo multas da Receita Federal relativas a cobranças adiadas pelo Ministério da Economia em razão da pandemia. A medida é mais uma das que os contribuintes consideram abusivas e que, segundo especialistas em tributação, acabam gerando novos contenciosos na esfera administrativa e no Judiciário - o que afasta investidores do país.
No primeiro semestre do ano passado, o governo estendeu o período de recolhimento das contribuições à Previdência, do PIS e da Cofins e, mesmo com o cumprimento dos prazos, empresas foram penalizadas. A Portaria ME nº 139 estabeleceu para os meses de agosto e outubro os pagamentos referentes a março e abril, respectivamente. Já a Portaria ME nº 245 prorrogou a competência de maio para novembro.
Nos casos em que a advogada Thaís Françoso, sócia do escritório FF Advogados, atua, as cobranças chegam a até R$ 200 mil. Estamos apresentando pedido administrativo e conseguimos baixar [excluir] algumas multas, diz.
Mas a algumas empresas não resta outro caminho que não o Judiciário. Uma cliente do escritório, do setor imobiliário, por exemplo, vai precisar da certidão negativa de débitos por exigência de um cliente e teremos que ir à Justiça, afirma a advogada.
Como outros especialistas em tributação, a advogada percebe uma atitude mais agressiva da fiscalização. Senti que cresceu após a suspensão tributária. Um exemplo são as negativas de pedidos de compensação de créditos, diz. Contudo, de acordo com o presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco), Kleber Cabral, não existe gratificação (salário, bônus) vinculada a metas (quantidade ou valores das autuações).
Para o consultor e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, entre os motivos do litígio tributário está o fato de não haver limites para os autos de infração. A Receita faz a autuação que quiser, até autos malucos de R$ 12 bilhões. Qual ônus o Estado vai ter?, questiona. Ele lembra, porém, que a empresa pode ter dano reputacional por ter que colocar uma autuação bilionária no balanço. Como se resolve isso?
A adoção de posturas contraditórias pela Receita Federal, afirmam tributaristas, é uma das principais causas do custo Brasil. O país está na lanterna mundial quando o assunto é pagamento de impostos. Aparece em 184º lugar em ranking com 190 economias divulgado pelo Banco Mundial (Doing Business 2020). Só para cumprir obrigações acessórias são 1.501 horas em um ano, o equivalente a mais de 62 dias, de acordo com o relatório.
As contradições da Receita Federal ferem o princípio da boa-fé, diz o tributarista Eduardo Salusse, sócio do Salusse e Marangoni Advogados. Ao Estado não é permitido a adoção de posicionamentos contraditórios porque induz o contribuinte a erro. Até abuso de autoridade é possível alegar, afirma. Contudo, acrescenta, não há jurisprudência nesse sentido.
Salusse entende que essa postura gera insegurança e afasta investimentos. A União, em especial, tem que trabalhar com coerência, não como se quisesse pegar o contribuinte no contrapé, diz. Adotar práticas conforme os próprios interesses, deixando o contribuinte à deriva, é uma das justificativas do ativismo judicial.
Contudo, Everardo Maciel não falaria em abuso de autoridade. Isso porque a Receita tem autoridade para editar soluções de consulta, atos declaratórios, instruções normativas e aplicar multas. Não há tipificação penal para o que se chamaria de abuso e má-fé. É preciso comprovar. Essa é a dificuldade, diz.
Não faltam exemplos de medidas consideradas abusivas por empresários e tributaristas. Em outubro, empresas começaram a receber cobrança de multa isolada de 50% por compensação de créditos negada, antes do fim do processo de defesa administrativo. Em dezembro, a Receita restringiu o conceito de subvenção de investimentos, facilitando a tributação de incentivos fiscais de ICMS. Por meio da Solução de Consulta nº 145 declarou que benefícios fiscais precisam ter sido concedidos como estímulo à economia para saírem do cálculo da CSLL.
Na época da repatriação de bens no exterior não declarados, lembra a tributarista Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, a Receita orientava que bastava a declaração, sem ter que fazer prova da origem dos recursos. Depois de encerrado o prazo para adesão ao programa, mudou de interpretação para dizer que se fossem solicitados dados a respeito, o contribuinte teria que fazer a prova, uma questão muito sensível até em razão da possibilidade de repercussão penal para o contribuinte, diz.
Embora ainda não tenha transitado em julgado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2017, a favor da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins (RE nº 574.706), a Receita, afirma a advogada, se antecipou ao Judiciário e editou a Solução de Consulta nº 13 determinando que deve ser retirado apenas o ICMS efetivamente pago dessa conta, visando garantir arrecadação, o que gerou aumento do contencioso. O STF ainda tem que julgar um recurso da própria Fazenda neste processo cuja estimativa de impacto, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é de R$ 229 bilhões em cinco anos.
Mesmo após decisões de tribunais superiores, a Receita já editou normas contrárias, que incentivaram novas discussões. O tributarista Breno Vasconcelos, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, cita como exemplo a análise do conceito de insumo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a identificação de qual tipo de matéria-prima gera créditos de PIS e Cofins.
O termo foi definido nas instruções normativas nº 247, de 2002, e nº 404, de 2004, mas houve controvérsias. Em fevereiro de 2018, o STJ firmou a tese de que devem ser usados os critérios de essencialidade ou relevância (REsp 1221170). Mas, segundo Vasconcelos, o Parecer Normativo n° 5, de 2018, e a Solução de Consulta Cosit nº 248, de 2019, foram editados pela Receita depois contrariando a decisão.
Isso denota resistência da Receita em se adequar ao entendimento firmado na Justiça, gerando mais contencioso, diz o advogado. Nesse caso, a estimativa de impacto registrado na LDO é de R$ 316 bilhões em cinco anos.
Para Isaías Coelho, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito, não é à toa que estamos no fim da fila da classificação do Banco Mundial porque nosso sistema é mesmo o pior. Ele afirma que só Brasil e Haiti ainda usam o sistema de créditos de insumos. Com uma legislação massiva e contraditória, o contribuinte fica à mercê de interpretações que variam e tem que seguir com os negócios dele, tomando riscos.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal respondeu por nota que não iria se manifestar.
Empresas vêm recebendo multas da Receita Federal relativas a cobranças adiadas pelo Ministério da Economia em razão da pandemia. A medida é mais uma das que os contribuintes consideram abusivas e que, segundo especialistas em tributação, acabam gerando novos contenciosos na esfera administrativa e no Judiciário - o que afasta investidores do país.
No primeiro semestre do ano passado, o governo estendeu o período de recolhimento das contribuições à Previdência, do PIS e da Cofins e, mesmo com o cumprimento dos prazos, empresas foram penalizadas. A Portaria ME nº 139 estabeleceu para os meses de agosto e outubro os pagamentos referentes a março e abril, respectivamente. Já a Portaria ME nº 245 prorrogou a competência de maio para novembro.
Nos casos em que a advogada Thaís Françoso, sócia do escritório FF Advogados, atua, as cobranças chegam a até R$ 200 mil. Estamos apresentando pedido administrativo e conseguimos baixar [excluir] algumas multas, diz.
Mas a algumas empresas não resta outro caminho que não o Judiciário. Uma cliente do escritório, do setor imobiliário, por exemplo, vai precisar da certidão negativa de débitos por exigência de um cliente e teremos que ir à Justiça, afirma a advogada.
Como outros especialistas em tributação, a advogada percebe uma atitude mais agressiva da fiscalização. Senti que cresceu após a suspensão tributária. Um exemplo são as negativas de pedidos de compensação de créditos, diz. Contudo, de acordo com o presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco), Kleber Cabral, não existe gratificação (salário, bônus) vinculada a metas (quantidade ou valores das autuações).
Para o consultor e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, entre os motivos do litígio tributário está o fato de não haver limites para os autos de infração. A Receita faz a autuação que quiser, até autos malucos de R$ 12 bilhões. Qual ônus o Estado vai ter?, questiona. Ele lembra, porém, que a empresa pode ter dano reputacional por ter que colocar uma autuação bilionária no balanço. Como se resolve isso?
A adoção de posturas contraditórias pela Receita Federal, afirmam tributaristas, é uma das principais causas do custo Brasil. O país está na lanterna mundial quando o assunto é pagamento de impostos. Aparece em 184º lugar em ranking com 190 economias divulgado pelo Banco Mundial (Doing Business 2020). Só para cumprir obrigações acessórias são 1.501 horas em um ano, o equivalente a mais de 62 dias, de acordo com o relatório.
As contradições da Receita Federal ferem o princípio da boa-fé, diz o tributarista Eduardo Salusse, sócio do Salusse e Marangoni Advogados. Ao Estado não é permitido a adoção de posicionamentos contraditórios porque induz o contribuinte a erro. Até abuso de autoridade é possível alegar, afirma. Contudo, acrescenta, não há jurisprudência nesse sentido.
Salusse entende que essa postura gera insegurança e afasta investimentos. A União, em especial, tem que trabalhar com coerência, não como se quisesse pegar o contribuinte no contrapé, diz. Adotar práticas conforme os próprios interesses, deixando o contribuinte à deriva, é uma das justificativas do ativismo judicial.
Contudo, Everardo Maciel não falaria em abuso de autoridade. Isso porque a Receita tem autoridade para editar soluções de consulta, atos declaratórios, instruções normativas e aplicar multas. Não há tipificação penal para o que se chamaria de abuso e má-fé. É preciso comprovar. Essa é a dificuldade, diz.
Não faltam exemplos de medidas consideradas abusivas por empresários e tributaristas. Em outubro, empresas começaram a receber cobrança de multa isolada de 50% por compensação de créditos negada, antes do fim do processo de defesa administrativo. Em dezembro, a Receita restringiu o conceito de subvenção de investimentos, facilitando a tributação de incentivos fiscais de ICMS. Por meio da Solução de Consulta nº 145 declarou que benefícios fiscais precisam ter sido concedidos como estímulo à economia para saírem do cálculo da CSLL.
Na época da repatriação de bens no exterior não declarados, lembra a tributarista Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, a Receita orientava que bastava a declaração, sem ter que fazer prova da origem dos recursos. Depois de encerrado o prazo para adesão ao programa, mudou de interpretação para dizer que se fossem solicitados dados a respeito, o contribuinte teria que fazer a prova, uma questão muito sensível até em razão da possibilidade de repercussão penal para o contribuinte, diz.
Embora ainda não tenha transitado em julgado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2017, a favor da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins (RE nº 574.706), a Receita, afirma a advogada, se antecipou ao Judiciário e editou a Solução de Consulta nº 13 determinando que deve ser retirado apenas o ICMS efetivamente pago dessa conta, visando garantir arrecadação, o que gerou aumento do contencioso. O STF ainda tem que julgar um recurso da própria Fazenda neste processo cuja estimativa de impacto, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é de R$ 229 bilhões em cinco anos.
Mesmo após decisões de tribunais superiores, a Receita já editou normas contrárias, que incentivaram novas discussões. O tributarista Breno Vasconcelos, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, cita como exemplo a análise do conceito de insumo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a identificação de qual tipo de matéria-prima gera créditos de PIS e Cofins.
O termo foi definido nas instruções normativas nº 247, de 2002, e nº 404, de 2004, mas houve controvérsias. Em fevereiro de 2018, o STJ firmou a tese de que devem ser usados os critérios de essencialidade ou relevância (REsp 1221170). Mas, segundo Vasconcelos, o Parecer Normativo n° 5, de 2018, e a Solução de Consulta Cosit nº 248, de 2019, foram editados pela Receita depois contrariando a decisão.
Isso denota resistência da Receita em se adequar ao entendimento firmado na Justiça, gerando mais contencioso, diz o advogado. Nesse caso, a estimativa de impacto registrado na LDO é de R$ 316 bilhões em cinco anos.
Para Isaías Coelho, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito, não é à toa que estamos no fim da fila da classificação do Banco Mundial porque nosso sistema é mesmo o pior. Ele afirma que só Brasil e Haiti ainda usam o sistema de créditos de insumos. Com uma legislação massiva e contraditória, o contribuinte fica à mercê de interpretações que variam e tem que seguir com os negócios dele, tomando riscos.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal respondeu por nota que não iria se manifestar.
30/07/2025
Reforma Tributária – Normas e Estrutura Atual
30/07/2025
Tabelas Fiscais Oficiais - REFORMA TRIBUTÁRIA
08/05/2025
REFORMA TRIBUTARIA
08/05/2025
A Reforma Tributária no Brasil
08/05/2025
A transição para a Reforma Tributária em 2026
10/09/2024
Roubo da mercadoria afasta multa tributária aplicada a transportadora
10/09/2024
Produtor rural obtém direito a restituição de ICMS pago a mais
10/09/2024
Bancos devem informar operações do ICMS eletrônico, decide STF
10/09/2024
Empresa de economia mista que presta serviço essencial não pode ter bens penhorados
04/09/2024
Não incide IRRF na transferência de quotas de fundo de investimento por sucessão
04/09/2024
Gerdau vence no STJ discussão sobre ágio interno
04/09/2024
Agenda STF: Ministros devem julgar ação sobre Reintegra com impacto de R$ 49,9 bilhões para a União
04/09/2024
STF julga imunidade tributária na importação de vinis de artistas brasileiros
04/09/2024
Secretário da reforma tributária afirma que contadores terão atuação diferente no novo sistema tributário brasileiro
04/09/2024
Sefaz-AM inicia suspensão de contribuintes com pendências no ICMS em setembro
30/08/2024
É correto dizer que a Justiça Federal decide mais a favor do Estado, afirma Igor Mauler
30/08/2024
Teses sobre base de cálculo de tributos no STF podem custar R$ 118,9 bilhões à União
30/08/2024
Empresas podem usar decisão do STF para afastar multas em cobranças tributárias
30/08/2024
STJ valida prescrição de multa aduaneira aplicada à Air France
30/08/2024
Reforma tributária pode encarecer construção civil e imóveis, impactando em empregos e mais
VER TUDO