13/07/2021
Reforma do IR vai dificultar planejamentos tributários
Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon De Rio e Brasília
O projeto de reforma do Imposto de Renda, encaminhado ao Congresso pelo governo federal, impede ou dificulta a adoção de ao menos nove práticas comuns hoje nas empresas, que resultam na redução de impostos e contribuições a pagar. No mercado as operações são chamadas de planejamentos tributários lícitos, por não serem vedados por lei.
Dentre as medidas listadas, especialistas alertam que o uso do ágio passaria a ser ilegal. Já a redução de capital e o uso de FIPs em fusões e aquisições teriam a tributação majorada, fechando as portas para planejamentos tributários.
Os itens compõem o que advogados têm chamado de lista de desejos da Receita Federal, pois costumam gerar autuações bilionárias e longas disputas entre Fisco e contribuintes, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e na Justiça.
No mais recente relatório em que fala de ágio, de 2019, a Receita Federal diz ter realizado 116 fiscalizações relacionadas ao tema, e aplicado autuações que somam R$ 56,6 bilhões.
Valor pago pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada, o ágio só poderia ser usado como despesa, diminuindo a base de cálculo do IRPJ e a CSLL a pagar, em operações societárias realizadas até o fim de 2021 - segundo consta no projeto de reforma. Hoje pode ser amortizado em até cinco anos. Se a nova regra se confirmar, dizem advogados, poderá levar empresas ao Judiciário (leia mais na matéria abaixo).
Apesar de a lei atual permitir a amortização, os fiscais costumam autuar os contribuintes quando entendem que a reorganização societária teve o único objetivo de reduzir o pagamento de tributos - um planejamento tributário abusivo.
Levantamento do escritório de advocacia Mattos Filho sobre os casos que tramitaram no Carf e no Judiciário até o fim de 2020 mostra que de 164 casos de ágio analisados pela Câmara Superior, a última instância do Carf, somente cinco tiveram decisões a favor do contribuinte. O mesmo estudo mostra que havia 56 julgamentos com decisão de mérito no Judiciário, em igual período, - 29 a favor dos contribuintes e 27 desfavoráveis.
A autoridade fiscal tem a interpretação em um sentido, o contribuinte entende de forma oposta e o ajuste vem para modificar o sistema jurídico como um todo. Não vai resolver o contencioso do passado, mas criar uma regra nova para o futuro, o que, para mim, confirma que no passado não poderia tributar, diz o advogado João Marcos Colussi, sócio do escritório Mattos Filho.
Entre as demais operações frequentemente na mira do Fisco estão também as vendas de ativos de empresas por meio de sócios pessoas físicas. A operação faz a tributação sobre o ganho de capital decorrente do negócio diminuir de 34% para até 15%.
Na chamada redução de capital, a holding da pessoa física devolve suas cotas da empresa que será vendida para o acionista. Esse acionista, então, passa a ter o controle direto da companhia e realiza a venda na condição de pessoa física - com tributação menor.
O projeto de reforma do governo, contudo, exige que a avaliação dos ativos na redução de capital seja feita com base no valor de mercado, geralmente bem mais alto do que o valor contábil. Consta no texto que a diferença entre o valor de mercado e o valor contábil dos bens deverá ser apurada para fins de IRPJ e CSLL pela empresa que devolver o capital ao sócio.
O fato de existir uma regra que impõe valor de mercado certamente vai provocar redução no número dessas operações, diz Diogo Ferraz, do escritório Freitas Leite. Segundo o advogado, os conselheiros do Carf têm sido favoráveis ao contribuinte se enxergam um propósito negocial na operação - além da redução no pagamento de tributos.
A Ss Towers, empresa de torre de celulares, por exemplo, conseguiu derrubar no conselho uma autuação de cerca de R$ 1 bilhão.
O uso de Fundos de Investimento em Participação (FIP) para fusões e aquisições também deverá ser impactado pela reforma. Quando o negócio é fechado diretamente pela empresa, é devido 34% de IRPJ e CSLL sobre o ganho de capital. Já por meio do FIP, aplica-se alíquota estabelecida para pessoas físicas, entre 15% e 22,5%. O tributo é pago pelo acionista no momento em que ele resgata o dinheiro do fundo.
O projeto elaborado pelo governo federal diz que se o FIP não for qualificado como entidade de investimento, a tributação passa a ser a mesma das empresas a partir de 1º de janeiro de 2022. Já se for compreendido como entidade de investimento, haverá tributação automática na alienação dos ativos.
Sobre o uso do FIP, Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional, que representa os auditores fiscais do país, diz que virou um investimento vip, quase sempre de núcleos familiares. Para ele, o projeto arruma a legislação para não gerar mais contencioso. Coloca conforme o que é aplicado internacionalmente, afirma.
Em 2019, a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf manteve uma autuação de cerca de R$ 4 bilhões aplicada à Tinto Holding, controladora do Grupo Bertin. Este foi o primeiro caso envolvendo o uso de FIP na última instância do conselho. A cobrança se deu em decorrência da união com a JBS, no ano de 2009.
Para tributaristas, porém, a União tenta, por meio do projeto de reforma, acabar com uma série de questões que a incomoda e não consegue resolver com argumentos jurídicos. Parece estar mais preocupada em fechar torneiras, diz Alessandro Borges, do Benício Advogados.
Professora no Insper, pesquisadora da FGV-SP e sócia do escritório i2a Advogados, Ana Carolina Monguilod chama a atenção para uma mudança que pode afetar a vida de diretores e executivos. Hoje, a companhia que oferece as stock options - pagamentos feitos pelas empresas por meio de ações - aos seus funcionários pode deduzir tais valores do IRPJ e da CSLL. A proposta de reforma proíbe a dedução nos casos de funcionários fora do regime CLT.
Vai acabar fazendo com que as empresas fiquem menos estimuladas a usar esse instrumento, que é muito importante para atrair talentos, principalmente quando a gente pensa em startups, diz a advogada.
Há ainda uma série de outras mudanças, previstas no projeto, em torno de operações realizadas no exterior. O ganho de capital indireto, por exemplo, afeta empresas estrangeiras que detêm ações em companhias brasileiras. Qualquer operação societária realizada fora do Brasil vai levar ao pagamento de imposto se houver ganho de capital.
A lei atual não alcança essas operações. Mas o Fisco tenta tributar se entende ter havido abuso ou simulação, diz o advogado Erlan Valverde, do escritório TozziniFreire. Só que do jeito que a nova regra está redigida, pega qualquer situação, diz.
Segundo Valverde, se um grupo multinacional que tem uma estrutura societária complexa faz uma organização societária e transfere a empresa brasileira indiretamente, vai ter que pagar o tributo mesmo que não esteja vendendo o negócio, diz. Na visão dele, o governo pesou um pouco a mão nas alterações.
A Receita Federal foi procurada pelo Valor para comentar as mudanças previstas no projeto, mas não deu retorno.
O projeto de reforma do Imposto de Renda, encaminhado ao Congresso pelo governo federal, impede ou dificulta a adoção de ao menos nove práticas comuns hoje nas empresas, que resultam na redução de impostos e contribuições a pagar. No mercado as operações são chamadas de planejamentos tributários lícitos, por não serem vedados por lei.
Dentre as medidas listadas, especialistas alertam que o uso do ágio passaria a ser ilegal. Já a redução de capital e o uso de FIPs em fusões e aquisições teriam a tributação majorada, fechando as portas para planejamentos tributários.
Os itens compõem o que advogados têm chamado de lista de desejos da Receita Federal, pois costumam gerar autuações bilionárias e longas disputas entre Fisco e contribuintes, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e na Justiça.
No mais recente relatório em que fala de ágio, de 2019, a Receita Federal diz ter realizado 116 fiscalizações relacionadas ao tema, e aplicado autuações que somam R$ 56,6 bilhões.
Valor pago pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada, o ágio só poderia ser usado como despesa, diminuindo a base de cálculo do IRPJ e a CSLL a pagar, em operações societárias realizadas até o fim de 2021 - segundo consta no projeto de reforma. Hoje pode ser amortizado em até cinco anos. Se a nova regra se confirmar, dizem advogados, poderá levar empresas ao Judiciário (leia mais na matéria abaixo).
Apesar de a lei atual permitir a amortização, os fiscais costumam autuar os contribuintes quando entendem que a reorganização societária teve o único objetivo de reduzir o pagamento de tributos - um planejamento tributário abusivo.
Levantamento do escritório de advocacia Mattos Filho sobre os casos que tramitaram no Carf e no Judiciário até o fim de 2020 mostra que de 164 casos de ágio analisados pela Câmara Superior, a última instância do Carf, somente cinco tiveram decisões a favor do contribuinte. O mesmo estudo mostra que havia 56 julgamentos com decisão de mérito no Judiciário, em igual período, - 29 a favor dos contribuintes e 27 desfavoráveis.
A autoridade fiscal tem a interpretação em um sentido, o contribuinte entende de forma oposta e o ajuste vem para modificar o sistema jurídico como um todo. Não vai resolver o contencioso do passado, mas criar uma regra nova para o futuro, o que, para mim, confirma que no passado não poderia tributar, diz o advogado João Marcos Colussi, sócio do escritório Mattos Filho.
Entre as demais operações frequentemente na mira do Fisco estão também as vendas de ativos de empresas por meio de sócios pessoas físicas. A operação faz a tributação sobre o ganho de capital decorrente do negócio diminuir de 34% para até 15%.
Na chamada redução de capital, a holding da pessoa física devolve suas cotas da empresa que será vendida para o acionista. Esse acionista, então, passa a ter o controle direto da companhia e realiza a venda na condição de pessoa física - com tributação menor.
O projeto de reforma do governo, contudo, exige que a avaliação dos ativos na redução de capital seja feita com base no valor de mercado, geralmente bem mais alto do que o valor contábil. Consta no texto que a diferença entre o valor de mercado e o valor contábil dos bens deverá ser apurada para fins de IRPJ e CSLL pela empresa que devolver o capital ao sócio.
O fato de existir uma regra que impõe valor de mercado certamente vai provocar redução no número dessas operações, diz Diogo Ferraz, do escritório Freitas Leite. Segundo o advogado, os conselheiros do Carf têm sido favoráveis ao contribuinte se enxergam um propósito negocial na operação - além da redução no pagamento de tributos.
A Ss Towers, empresa de torre de celulares, por exemplo, conseguiu derrubar no conselho uma autuação de cerca de R$ 1 bilhão.
O uso de Fundos de Investimento em Participação (FIP) para fusões e aquisições também deverá ser impactado pela reforma. Quando o negócio é fechado diretamente pela empresa, é devido 34% de IRPJ e CSLL sobre o ganho de capital. Já por meio do FIP, aplica-se alíquota estabelecida para pessoas físicas, entre 15% e 22,5%. O tributo é pago pelo acionista no momento em que ele resgata o dinheiro do fundo.
O projeto elaborado pelo governo federal diz que se o FIP não for qualificado como entidade de investimento, a tributação passa a ser a mesma das empresas a partir de 1º de janeiro de 2022. Já se for compreendido como entidade de investimento, haverá tributação automática na alienação dos ativos.
Sobre o uso do FIP, Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional, que representa os auditores fiscais do país, diz que virou um investimento vip, quase sempre de núcleos familiares. Para ele, o projeto arruma a legislação para não gerar mais contencioso. Coloca conforme o que é aplicado internacionalmente, afirma.
Em 2019, a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf manteve uma autuação de cerca de R$ 4 bilhões aplicada à Tinto Holding, controladora do Grupo Bertin. Este foi o primeiro caso envolvendo o uso de FIP na última instância do conselho. A cobrança se deu em decorrência da união com a JBS, no ano de 2009.
Para tributaristas, porém, a União tenta, por meio do projeto de reforma, acabar com uma série de questões que a incomoda e não consegue resolver com argumentos jurídicos. Parece estar mais preocupada em fechar torneiras, diz Alessandro Borges, do Benício Advogados.
Professora no Insper, pesquisadora da FGV-SP e sócia do escritório i2a Advogados, Ana Carolina Monguilod chama a atenção para uma mudança que pode afetar a vida de diretores e executivos. Hoje, a companhia que oferece as stock options - pagamentos feitos pelas empresas por meio de ações - aos seus funcionários pode deduzir tais valores do IRPJ e da CSLL. A proposta de reforma proíbe a dedução nos casos de funcionários fora do regime CLT.
Vai acabar fazendo com que as empresas fiquem menos estimuladas a usar esse instrumento, que é muito importante para atrair talentos, principalmente quando a gente pensa em startups, diz a advogada.
Há ainda uma série de outras mudanças, previstas no projeto, em torno de operações realizadas no exterior. O ganho de capital indireto, por exemplo, afeta empresas estrangeiras que detêm ações em companhias brasileiras. Qualquer operação societária realizada fora do Brasil vai levar ao pagamento de imposto se houver ganho de capital.
A lei atual não alcança essas operações. Mas o Fisco tenta tributar se entende ter havido abuso ou simulação, diz o advogado Erlan Valverde, do escritório TozziniFreire. Só que do jeito que a nova regra está redigida, pega qualquer situação, diz.
Segundo Valverde, se um grupo multinacional que tem uma estrutura societária complexa faz uma organização societária e transfere a empresa brasileira indiretamente, vai ter que pagar o tributo mesmo que não esteja vendendo o negócio, diz. Na visão dele, o governo pesou um pouco a mão nas alterações.
A Receita Federal foi procurada pelo Valor para comentar as mudanças previstas no projeto, mas não deu retorno.
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