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16/09/2023

Decisão do STF sobre Lava-Jato pode afetar disputas bilionárias no Carf

Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon — De São Paulo e Brasília

A anulação de provas utilizadas na Operação Lava-Jato, além de afetar processos na esfera criminal e eleitoral, pode ter impacto sobre as cobranças da Receita Federal. Mais de 3,4 mil procedimentos fiscais foram instaurados contra políticos, empreiteiras, executivos e outros investigados entre os anos de 2016 e 2019 – somando R$ 22,4 bilhões em tributos devidos.

Essas cobranças estão em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e também na Justiça. Advogados ouvidos pelo Valor dizem que grande parte dos autos de infração têm base em provas obtidas pelo Ministério Público Federal (MPF) que foram compartilhadas com a Receita ou em trocas de informações entre os dois órgãos.

Afirmam, além disso, que muitos desses autos foram aplicados logo após a assinatura dos acordos de colaboração premiada e de leniência. São cobranças por dedução indevida de tributos, pagamento sem causa, omissão de receitas e operações de importação inexistentes – geralmente acompanhadas de multa de 150%.

Na semana passada, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), invalidou as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht, que detalha como o esquema de corrupção funcionava e envolve uma série de políticos e partidos.

A decisão foi tomada em ação apresentada pela defesa do presidente Lula, que solicitou acesso aos documentos do acordo. Para Toffoli, tudo indica que as provas foram obtidas “às margens da lei” – e não somente as que se referem ao presidente. A anulação, segundo o ministro, deve ser estendida a todos os processos, “seja de que natureza for”, que tenham se utilizado de tais elementos.

A Odebrecht e seus ex-executivos são alvo de cobranças fiscais. Alguns processos estão em tramitação no Carf. Um dos mais valiosos – avaliado em cerca de R$ 2 bilhões – foi julgado em 2020 e está, atualmente, em recurso.

Refere-se a pagamentos de propina revelados na Lava-Jato. O Fisco cobra valores de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL que teriam deixado de ser pagos pela empreiteira em decorrência de um esquema de despesas fictícias geradas no exterior.

Consta no processo que essas despesas eram direcionadas para conta offshore da própria Odebrecht, que alimentava o caixa dois no exterior e diminuía o lucro da empresa no Brasil – que serve como base de cálculo para os dois tributos.

Essa cobrança foi validada pela 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção. A empreiteira recorreu à Câmara Superior – última instância do Carf – e ainda aguarda julgamento. O caso já entrou e saiu diversas vezes da pauta.

Advogados dizem que a decisão do ministro Toffoli pode ter impacto significativo nesse caso, especificamente, e também em todos os outros – envolvendo inclusive outros investigados – que têm respaldo nos mesmos documentos e informações.

“E também casos em que os débitos já foram objeto de pagamento”, diz Renato Munduruca, do escritório RVM Law. “Mesmo em parcelamentos ou transação, em que é preciso reconhecer o débito e abrir mão de novas discussões. Quando há nulidade do auto, o contribuinte pode contestar esse termo e pedir a restituição dos valores”, acrescenta.


O advogado chama atenção, além disso, que o Código Tributário Nacional (CTN) estabelece prazo de cinco anos para a autoridade fiscal fazer o lançamento de tributos devidos. Se os processos tributários relacionados à Lava-Jato forem anulados e tiverem que começar do zero, ele diz, possivelmente não haverá mais prazo para essas cobranças.

Procurada pelo Valor, a Novonor (novo nome da Odebrecht) não quis se manifestar. Já Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que defende a União nos processos fiscais que tramitam no Carf e na Justiça, diz em nota que está fazendo um levantamento, mas entende que a decisão precisa ser cumprida.

A despeito de a PGFN dar a entender que não há muito o que fazer diante da situação, a decisão de Toffoli não se aplica de forma automática e, segundo os tributaristas, deve gerar muita discussão – especialmente no Carf, em que as turmas julgadoras são divididas entre conselheiros representantes do Fisco e da sociedade civil.

Caberá ao próprio Carf analisar, em cada caso, o impacto da anulação das provas. Bianca Rothschild, ex-conselheira e hoje advogada no escritório Tauil e Chequer, afirma que em muitos casos a prova penal é utilizada como “prova emprestada” no processo tributário. Assim sendo, ela diz, o impacto seria imediato.

Em outros, porém, a investigação criminal serve apenas de ponto de partida para a Receita Federal fazer fiscalização própria e colher provas específicas em relação às infrações, o que poderia manter as autuações mesmo com a decisão de Toffoli.

“Acredito que os julgadores representantes do Fisco não vão tomar como regra expressa o cancelamento de todos os autos de infração”, avalia Juan Manuel Calonge Mendez, do escritório VNP Advogados, apesar de, na sua opinião, o cancelamento ser devido.

Tanto no Carf como no Judiciário existe jurisprudência sobre a “teoria dos frutos da árvore envenenada”, diz Caio Quintella, ex-conselheiro e hoje titular da Nader Quintella Consultoria. “O auto de infração, queira ou não, é um dos frutos, um dos resultados de toda investigação criminal. Se chegar à conclusão que as raízes foram envenenadas, os frutos deverão ser considerados igualmente envenenados.”


Quintella participou do julgamento de um desses precedentes na 1ª Seção do Carf, que decide sobre cobranças de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins – onde estão muitos dos casos da Lava-Jato (um deles, o da Odebrecht).

A 3ª Seção, que julga processos envolvendo pessoas físicas, no entanto, tem precedente em sentido contrário, afirma Leandro Cabral, do Velloza Advogados. “Entenderam que houve um trabalho autônomo em relação ao processo criminal. Então, para saber o efeito da anulação das provas nas autuações vai depender muito do que aconteceu no caso, como as autuações foram lavradas”, diz.

O advogado destaca, no entanto, que se derrotada no Carf, a parte ainda pode recorrer ao Judiciário, que costuma ser mais sensível em relação à nulidade de provas.

Outro ponto de atenção, segundo especialistas, é o fato de o ministro Dias Toffoli ter determinado que a Polícia Federal apresente, no prazo de dez dias, todo o conteúdo das mensagens apreendidas na Operação Spoofing – que investiga a invasão de celulares do ex-juiz Sergio Moro, de procuradores do Ministério Público Federal e de outras autoridades.

A íntegra desse material, diz na decisão, deve ser disponibilizada aos investigados e réus em processos que utilizaram as provas anuladas.

Especialista na área, Rogério Pires, do Boccuzzi Advogados Associados, alerta para a importância disso. Ele entende que o conteúdo da Spoofing também pode servir como elemento para a anulação de cobranças fiscais – e não somente nos casos relacionados à Odebrecht.

Pelo que consta na decisão de Toffoli, ele diz, os diálogos extraídos das trocas de mensagem entre procuradores revelariam que auditores fiscais estariam à disposição do MPF para fornecer informações de maneira informal, à margem da lei.

“Se isso realmente aconteceu, o MPF avançou nas investigações, mas também a Receita Federal pode, a partir daí, ter despertado a fiscalização e cobrança dos tributos”, ele afirma. “Como a prova original foi compartilhada de maneira ilegal, ela se torna ilícita e passa, portanto, a ser ilegal também para fins fiscais.”


A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recorreu da decisão de Dias Toffoli. O ministro pode reconsiderar a sua posição ou enviar o caso para a análise do colegiado.
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